(Fernando Sabino - Deixa o Alfredo falar!)
O AMOR BATE À PORTA
Como de costume, acordei cedo, fui ao
banheiro, escovei os dentes, lavei o rosto. Mas esta manhã algo estranho
aconteceu. No banheiro ouvi tocar incessante da campainha, enxuguei-me às
pressas e caminhei até a porta, destranquei-a e vi um homem caído na soleira.
O que fazer? Pois não havia ninguém
no corredor, olhei a minha volta e levemente toquei-o e senti que o corpo
estava frio e rígido. “Meu Deus! É um cadáver!”.
Desesperada, corri para o telefone e
disquei o número da central da polícia. A atendente me pediu as informações
necessárias e tranquilizando-me avisou que a polícia logo chegaria.
Enquanto isso observei aquele homem
de boa aparência estirado ao chão e imaginei o que ele fazia no meu prédio. Os
policiais chegaram e revistaram-no. No bolso havia a carteira com documentos
pessoais e uma carta.
Ao lerem a carta, os policiais,
comovidos, revelaram que aquele homem estava apaixonado por mim e que seria o
momento oportuno para revelar tal paixão, mas com tanta emoção acabou sofrendo
um mal súbito.
“Que tristeza!” – pensei. Não é
sempre que o amor bate à porta!
Camila
Aparecida da Costa
A SURPRESA
A
claridade começava a invadir o quarto de Marcos, o dia prometia um sol
escaldante, aliás, era verão e a temperatura já no período beirava os trinta
graus. Acordar cedo era a rotina da maioria das pessoas naquele prédio. O
barulho dos carros, o agito da cidade grande, o vai e vem das pessoas, já
indicava que o dia já começara.
Com
uma vontade louca de continuar na cama, Marcos consulta o relógio da cabeceira
e levanta-se rapidamente. Vai ao banheiro, escova os dentes e lava o rosto. Surpreso
ouve a campanhia e enxuga-se às pressas. Caminha até a porta, destranca a
fechadura e abre-a, assustado vê um homem caído na soleira, corre o olhar em
torno e constata que não há ninguém mais no corredor.
Abaixa-
se e toca o homem com os dedos, sente que o corpo está frio e rígido. Percebe
que ele está morto e pelo celular disca o número da central da polícia.
Enquanto eles não chegam, Marcos fica intrigado com o cadáver. De onde surgiu?
Quem será a pessoa ali caída? E, porque ali? E se polícia pensar que ele tem
alguma relação com a vítima?
Eram
pensamentos confusos, curiosos e medrosos ao mesmo tempo. De repente o toque da
sirene avisava que os policias haviam chegado, e para alivio de Marcos, talvez,
ele entendesse o que aconteceu ali.
Após
os policias mexeram nos bolsos da calça e da camisa do morto, encontraram
documentos de identidade e um número de telefone. Constataram que ele se chamava Jorge e era um
oficial de justiça, tinha um mandato judicial em nome de Marcos relativo à
pensão em atraso de sua ex-mulher. Com a chegada da polícia técnica,
previamente, constatou-se que o defunto tivera um enfarto fulminante.
Marcos
não sabia se chorava ou se ria com as informações recebidas, pois, não havia
nenhum vínculo entre ele e o morto. Mas ser encontrado pela ex-mulher era tudo o
que ele não queria.
Afinal,
o inferno estava apenas começando.
Célia Cristina Gonzales de Almeida
PRESO POR ENGANO
Alexandre dormia
serenamente, o frio naquela época do ano era rigoroso, pela janela dava para
observar a brisa suave do vento soprando do lado de fora. Os redemoinhos
inquietantes arrastavam alguns papéis nas ruas, ora pra lá, ora pra cá, num vai
e vem tresloucado.
Na noite anterior
Alexandre assistiu a um filme e tinha ido para a cama muito tarde.
O relógio desperta,
Alexandre abre os olhos com dificuldade, desliga-o e fecha os olhos
novamente para dormir mais 10 minutinhos, desta vez o celular toca, ele dá um
pulo da cama, consulta o relógio novamente e abre a janela do quarto:
- Uh! Que frio!
Fecha novamente e por um
vão observa um aglomerado de pessoas em meio a uma provável confusão:
- Nossa! Briga a essa hora
da manhã e num frio desses...
Fecha a janela e vai ao
banheiro, enquanto escova os dentes ouve a campainha tocar, lava o rosto
rapidamente e tenta adivinhar quem seria a possível visita às seis horas da
manhã. Enxuga o rosto às pressas, sai do banheiro e caminha até a porta. Mal
sabia ele que algo muito ruim estava prestes a acontecer.
Ao abrir a porta um frio
cortante e gélido inunda o interior da sala, Alexandre sente um arrepio
estremecer seu corpo. De súbito olhou até no chão ao procurar sua visita, se
deparou com um homem caído na soleira de sua porta.
Alexandre sente novamente
um arrepio, desta vez de medo, sentiu suas pernas bambearem, segurou firme no
batente da porta. De repente sentiu um frio na espinha, como explicar a origem
de um cadáver em sua porta.
Olhou ao redor, a multidão
havia desaparecido, não havia mais ninguém na rua, a não ser dois cachorros que
latiam incansavelmente. Será que alguém na multidão havia matado uma pessoa e
colocado na sua porta? Nosso corajoso rapaz abaixa-se para certificar as suas
suspeitas, toca seus dedos no homem, sente o corpo frio e rígido, constata que
realmente é um cadáver.
Alexandre se desespera,
sua primeira atitude foi correr para o telefone e discar o número da central de
polícia, pediu para a atendente que enviasse uma viatura até sua casa na Rua
Comendador Araújo que havia um corpo em frente o número 28.
Quando a polícia chegou,
um dos policiais foi checar o falecido e os outros dois foram ter com Alexandre
que estava do lado de dentro da porta. Neste exato momento chega a mãe de
Alexandre apavorada.
- Cristo! O que você fez
filho ingrato?
- Mãe, eu não fiz nada,
esse corpo apareceu na minha porta.
- Eu sabia! Quando você
foi embora de casa só podia estar aprontando.
- Mão eu já disse, não
tenho nada com isso!
- Eu tolerei todas as suas
loucuras, mas assassinato não tem perdão.
Um dos policiais
interrompeu a discussão.
- O que você tem a dizer a
seu favor cidadão?
- Policial eu não sei de
nada, esse corpo apareceu na minha porta hoje pela manhã.
- Você mantinha algum
relacionamento com a vítima?
Nesse momento a mãe de
Alexandre interpretou mal o ocorrido e sem se dar conta da encreca que estava
colocando o filho deu-lhe um tapa bem forte e disse:
- Meu Deus que desgosto!
Alexandre Henrique você gosta de homem?
- Mãe não é nada disso, eu
não conheço esse homem, foi um acidente.
O policial que estava
observando o corpo inerte levantou-se e disse:
- Acidente? Então
você é namorado da vítima e viu o que aconteceu?
- Não! Eu já disse que
esse corpo amanheceu na minha porta, eu não vi absolutamente nada!
- O senhor está ficando
nervoso, por favor, queira nos acompanhar até a delegacia para prestar
depoimento, precisamos apurar os fatos.
Cleide Rodrigues Pacheco
O ATENDENTE
Um fio de sol, através
da cortina entreaberta, cortava o quarto e atingia-lhe o rosto em cheio. Abre
os olhos, franze a testa e demora a entender onde está. Não
se lembrava de como chegou até o quarto. O relógio marcava 7 horas em ponto,
mas não havia despertado como de costume. Com certeza, esquecera de acertá-lo
antes de dormir. O corpo inerte e dolorido, ainda sonolento.
O dia anterior tinha sido bastante
agitado, culminando com o caminho de volta para casa, o trânsito infernal e uma
cena trágica, típica da violência urbana: atropelamento com duas vítimas
fatais, cujo motorista estava embriagado. A vida se resumia a sobreviver e
morrer na cidade grande. No recesso do lar, os acontecimentos do dia acendiam e
apagavam como flashes. A última recordação de si mesmo, naquela noite, tinha
sido o sofá, onde se acomodara para assistir à televisão e esvaziar a mente,
com uma tigela de pipoca do lado. O filme já era seu velho conhecido, uma
comédia leve para desanuviar.
De qualquer forma, conseguira
adormecer lá pelas tantas e agora estava na hora de enfrentar novamente o
cotidiano. Mas já? Coça a nuca e constata que, em menos de uma hora, precisava
chegar à repartição para mais um dia da mesmice que justificava o seu
contracheque de funcionário público. Antes disso, haveria outro enfrentamento:
o espelho. Nada fácil conciliar as mechas revoltosas dos cabelos. No banheiro,
enquanto fazia a higiene pessoal básica, teve a impressão de ouvir a campainha
da porta, que naquela manhã, soou-lhe esquisita. Acabou de lavar o rosto, ainda
com a toalha nas mãos, ouviu novamente o barulho “é a campainha”, teve certeza.
Quem poderia ser a essa hora da manhã? Nunca recebia visitas. Morava no prédio
há poucos meses e nem conhecia de fato os seus vizinhos. Sabia que a mulher do
702 gostava de música clássica e até arriscava algumas notas ao piano. O senhor
do 704 tossia e pigarreava muito, além de brigar vez por outra com os
“anjinhos” do 701,
dois moleques endiabrados de seus oito e nove anos, que viviam a
perturbar os
moradores. Os pais? Nunca tinha visto, talvez nem existissem, a julgar pelo
comportamento dos pirralhos.
Vai até a porta e volta para
pegar a chave na estante. Olha pelo olho mágico, mas não vê coisa alguma. Na
certa, tocaram a campainha e saíram correndo. Ah, esses moleques! Pensou em não
abrir, mas resolveu ver se conseguia surpreender os danadinhos. Abriu e levou
um baita susto. Deparou-se com o inusitado: havia um homem seminu caído à porta
de seu apartamento. Teve a reação que todo bom cristão teria nesse momento.
Abaixou-se, imediatamente para averiguar mais de perto o caso, saber se a
criatura tinha algum reflexo, se respirava, se estava viva ou morta. Reparou no
semblante da “possível” vítima e achou que era um tanto familiar, parecia
conhecer, mas de onde? Percebeu que não havia sinais vitais e constatou que o
conhecido estava morto, a julgar também pela temperatura do corpo, os lábios
arroxeados e a pele muito pálida. Mas o que teria sucedido? Por que o teriam
colocado em sua porta? Pensou em arrastar o corpo para dentro da sala, mas
considerou que a sua compleição física contrastava com a do falecido e que este
não teria condições de ajudá-lo nessa hercúlea tarefa. Deixou a porta
entreaberta e correu ao telefone para pedir ajuda:
- Alô, bom dia! É da central de
polícia?
- Positivo.
- Sabe? Como posso dizer? Eu...
- Se o senhor não sabe dizer, por que
ligou? Eu é que não sei o sucedido, cidadão!
- Então, pois é. O que eu estou
querendo dizer é que...
- Diga logo, que não tenho a manhã
inteira para atendê-lo, senhor!
- Está bem, está bem. Eu abri a porta
do meu apartamento e encontrei um homem caído...
- Só isso? Ajude-o a se levantar.
- Acontece que o homem está morto!
- O senhor tem certeza? Conversou com
ele?
- Claro! Tentei reanimá-lo, sem
sucesso.
- A que horas aconteceu o homicídio?
Tem testemunhas? Sabe quem o matou?
- Não, claro que não! Não sei o que
aconteceu! Apenas o encontrei e preciso de ajuda para...
- Isto aqui é uma central de polícia
e não um necrotério! Também não faz velório e nem enterro.
- Eu sei que não. Preciso que a
polícia venha
cuidar do caso e...
- Que caso, cidadão? O senhor nem
sabe o que aconteceu? O corpo está aí e a polícia não tem nada com isso! Está
querendo se livrar do problema?
- Mas, o senhor não está entendendo a
gravidade do fato? O problema não é meu! Deixaram aqui na minha porta!
- Não coloque a culpa nos outros!
A conversa estava ficando cada vez
mais difícil. Tudo o que falava era mal interpretado pelo atendente da polícia.
Estava vendo que seria julgado e condenado, via telefone, pelo “crime”.
Ocorreu-lhe perguntar com quem estava falando, pois não acreditava que a
criatura do outro lado da linha fosse um atendente. Parecia mais um caso de
trote às avessas. Resolveu tentar o diálogo outra vez:
- Meu amigo, eu liguei para comunicar
uma morte, apenas isto. Preciso de um perito, de alguém que entenda do assunto,
pois sei que nesses casos não se pode mexer no corpo antes que a
polícia técnica faça a perícia, entendeu?
- Entendi, mas não concordo com a sua
postura!
- Mas afinal, quem está falando? O
senhor trabalha aí, como atendente?
- Meu nome é Hortêmio do Espírito
Santo. Não trabalho aqui, não. Vim fazer uma reclamação e o telefone tocou,
como não havia ninguém para atender, pois estão todos ocupados, resolvi dar uma
mãozinha. Agora que eu já ajudei, tenha um bom dia. Passar bem.
- Mas...
- Tum, tum, tum...
Deise Cristina Siqueli
Fernandópolis, 24 de abril de 2012.